Violência no campo: uma realidade que ainda mata no Brasil
«De acordo com o advogado do CPT, uma das principais causas do conflito agrário no Brasil está relacionada ao atual modelo de desenvolvimento do campo. «Hoje a forma de desenvolver o campo é baseada no agronegócio, que prioriza a produção de monoculturas e criação de bovinos voltadas para o mercado externo. Esse modelo precisa de mais terras e vai causar conflitos».
Dados da Comissão Pastoral da Terra apontam que no ano passado o país registrou 36 mortes no campo, o maior número desde 2006
Números alarmantes revelam que a violência no campo ainda é muito grande. Nos últimos dez anos, conforme dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram 369 vítimas de conflitos de terra no interior do país, sendo 40,65% das mortes somente no estado do Pará. Já este ano, o país soma 26 assassinatos em função de conflitos de terra em assentamentos e acampamentos de trabalhadores rurais sem terra e áreas indígenas e quilombolas.
Segundo o advogado da CPT no Pará, José Batista Afonsio, a questão da violência no campo na região amazônica é hoje a mais grave do país em função do desenvolvimento do agronegócio e de grandes indústrias na região. «O Pará é um dos estados que se posicionam na fronteira de expansão do agronegócio e também é região de exploração madeireira e minerária. Ou seja, são inúmeras as frentes de expansão de empresas ligadas ao grande capital e isso gera um impacto mais forte à medida que essa expansão incide em territórios de comunidades que já residem aqui, como posseiros, populações ribeirinhas, pescadores, etc».
Ainda conforme José Batista, a realização de grandes obras de infraestrutura na região amazônica também tem atraído trabalhadores de outros estados em busca de emprego. «No entanto, a maioria não encontra emprego nos grandes empreendimentos ou encontra um emprego temporário na fase de implantação dos projetos e depois são dispensados. Isso vai inchando as cidades e agregando as famílias, em sua maioria pobre, aos movimentos sociais de luta por moradia ou por terra», explica.
Uma das maiores lutas na região é protagonizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em uma fazenda no sul do Pará. «Já denunciamos e temos lutado para que a fazenda do banqueiro Daniel Dantas, com aproximadamente 50 mil hectares, seja desapropriada e destinada à reforma agrária. Essas terras são griladas, ou seja, são terras públicas que foram roubadas pelo banqueiro», afirma o dirigente do MST em Minas Gerais, Silvio Netto.
Em nota, o ouvidor agrário nacional e presidente da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, desembargador Gercino José da Silva Filho, informou que a Ouvidoria classifica os homicídios ocorridos no campo de três formas diferentes, de acordo com informações repassadas pela Polícia Civil: decorrentes de conflitos agrários; não decorrentes de conflitos agrários; e em investigação. «Segundo os dados da OAN [Ouvidoria Agrária Nacional], em 2012 ocorreram 11 homicídios decorrentes de conflitos agrários, 44 não decorrentes e sete ainda estão em investigação; e em 2013, foram registrados até o momento um assassinato decorrente do conflito agrário, 23 não decorrentes e 19 ainda estão em investigação», informou Gercino José da Silva.
Causas
De acordo com o advogado do CPT, uma das principais causas do conflito agrário no Brasil está relacionada ao atual modelo de desenvolvimento do campo. «Hoje a forma de desenvolver o campo é baseada no agronegócio, que prioriza a produção de monoculturas e criação de bovinos voltadas para o mercado externo. Esse modelo precisa de mais terras e vai causar conflitos».
Já Silvio Netto responsabiliza todo o Estado pela violência no campo. «O poder Executivo é responsável ao não promover a reforma agrária e priorizar o agronegócio; o poder legislativo, por ser conivente com o trabalho escravo ao aprovar a PEC do Trabalho Escravo sem prever punição e a expropriação de terras de latifundiários que pratiquem esse crime; e o poder judiciário, que hoje é um dos grandes responsáveis pelo entrave ao avanço da reforma agrária e pela impunidade no campo».
Em relação à falta de punição, Silvio lembrou o caso do Massacre de Felisburgo, em que cinco trabalhadores rurais foram assassinados com tiros à queima roupa e outras doze pessoas foram baleadas. O crime aconteceu em 2004 em um acampamento sem terra no município de Felisburgo, Norte de Minas. Apontado como mandante das mortes, o fazendeiro Adriano Chafik foi julgado e condenado nove anos depois, mas recorre em liberdade.
No mesmo ano, três auditores fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho foram mortos durante uma fiscalização em fazendas de Unaí, na região Noroeste de Minas. No dia 31 de agosto deste ano, a Justiça Federal em Belo Horizonte condenou três réus acusados de participação no assassinato. Entretanto, o julgamento dos irmãos Norberto e Antério Mânica, acusados de serem os mandantes do crime, e de outros três réus ainda não aconteceu.
Já no Pará, segundo José Batista, pelos menos 800 camponeses foram assassinados nas últimas quatro décadas em conflitos de terra, mas apenas três mandantes estariam cumprindo pena. «Os crimes não são apurados, os processos não são concluídos e os responsáveis não são punidos, o que incentiva a violência no campo».
Mediação e solução
Em caso de conflito no campo, a Ouvidoria Agrária Nacional (OAN) é um dos órgãos responsáveis pela prevenção, mediação e solução dos impasses. «A Ouvidoria Agrária Nacional e a Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo (CNVC) realizam reuniões e audiências públicas, com todas as partes e órgãos envolvidos, buscando a mediação de conflitos agrários e a garantia dos direitos fundamentais de todos os atores do campo, em especial dos cidadãos mais vulneráveis, de regra os trabalhadores rurais sem terras. A CNVC já realizou desde sua criação, em 2006, 604 reuniões em todo o território nacional, sendo que apenas neste exercício de 2013 já foram realizadas 183 reuniões (da 421 à 604)», informou o ouvidor agrário.
Ainda segundo Gercino José da Silva, além das reuniões de conciliação, a OAN solicita com urgência «ao secretário de Segurança Pública; ao comandante-geral da Polícia Militar; ao representante agrário da Polícia Militar; ao delegado de Polícia Civil agrário; e ao promotor de Justiça agrário» a garantia de segurança pública na região de conflito. «No caso dos trabalhadores rurais ameaçados de morte, a Ouvidoria Agrária Nacional solicita a inclusão dos mesmos no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, órgão a quem compete garantir a segurança física das pessoas que se encontram na situação de ameaçadas de morte», completou.
Juntamente com a Comissão, a OAN elaborou também o Plano Nacional de Combate à Violência no Campo (CNVC) com 15 medidas para prevenir, combater e reduzir as diversas formas de violência praticadas contra trabalhadores rurais, proprietários rurais, remanescentes de quilombos, ribeirinhos e atingidos por barragem. Entre as ações estão a criação de varas agrárias federais e estaduais, promotorias, defensorias públicas e ouvidorias agrárias nos Estados e polícias militares e delegacias especializadas em conflitos no campo (confira no mapa abaixo os órgãos agrários em cada estado brasileiro).
Mapa – órgãos agrários
Além disso, o plano prevê a oitiva prévia do Ministério Público, do Incra e dos Institutos de Terras Estaduais em ações possessórias coletivas, fiscalização dos serviços notariais e de registros imobiliários e dos serviços de segurança particular em imóveis rurais e a intensificação do combate à grilagem de terras públicas. Outras medidas como a agilidade da regularização das terras de quilombos e indígenas e o desarmamento em áreas de conflitos também estão previstas no documento.
Autor: Danilo Macedo
Fuente: Agencia Brasil
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