A dor não detém aos Guarani Kaiowá
… «Apesar do assassinato do Kaiowá Simião Vilhalva, ocorrido no dia 29 de agosto, sete dias após iniciada a retomada de quatro (fazendas), a dor não os detém. Lá encontrei, junto à revolta, uma infinidade de sorrisos. Deve ser, como também dizem os zapatas, sorrisos de uma terna fúria. A revolta contra a violência, contra mais uma morte de um Parente. Ocorre, no entanto, que a luta dos Guarani Kaiowá, como a de uma infinidade de outros povos e pessoas, é pela vida. Por isso, quem respira o crime são alguns dos “civilizados” fazendeiros…»
Território Guarani Kaiowá. Setembro 2015
A coragem recusa a humilhação. Só a ternura é eterna. Estas palavras saem da voz e das mãos dos zapatistas, em Chiapas, no México, mas há uma semana fui reencontrá-las entre os Guarani Kaiowá, no território retomado Ñanderu Maragatú, situado no município de Antônio João, no Mato Grosso do Sul.
Decidi ir até lá para fotografar e me juntar, e assim trazer mais relatos sobre esse novo momento de retomadas. Fui com o propósito de fotografar e colher alguns depoimentos, que agora disponibilizo por essa via. Fotografar é também uma maneira de estar e participar, de meter-se no meio do que considero pertinente.
A realidade de violência a qual os índios brasileiros estão submetidos, especificamente os Guarani do Mato Grosso do Sul, confunde o passado e presente. No entanto, uma visão à distância dimensiona a tragédia de modo que exclui outras compreensões do que é a vida em rebeldia, sob a decisão de recusar a humilhação. Sim que são vítimas desde 1500, mas não se vitimizam.
Pensando em analogias, levei comigo uma bandeira da Palestina, para com ela simbolizar que somos Kaiowás Palestinos, refugiados em sua própria terra. Vivendo há séculos, décadas, em faixas de terra à margem de rodovias (aldeias, acampamentos), e no caso desses kaiowás da terra Ñanderú Maragatú, numa faixa de terra de sete kilometros quadrados, uma vida assim pode ser equivalente à vida na faixa de Gaza, à vida nos campos de refugiados. A diferença é que aqui a agressão tem a face do latifúndio, e a usurpação das terras indígenas por parte de fazendeiros representa a força de ocupação. Levei a bandeira mas não montei nenhuma foto.
O que encontrei sem precisar inventar foi um boneco de plástico no chão de terra, entre folhas, entre meninos kaiowás, tombado tal como o menino curdo numa praia, tal como um menino palestino bombardeado numa praia, tal como os jovens brasileiros que estão sendo fuzilados nos bairros periféricos do país. Mas não falo de analogias de morte. Falo da condição de existir para resistir.
Apesar do assassinato do Kaiowá Simião Vilhalva, ocorrido no dia 29 de agosto, sete dias após iniciada a retomada de quatro (fazendas), a dor não os detém. Lá encontrei, junto à revolta, uma infinidade de sorrisos. Deve ser, como também dizem os zapatas, sorrisos de uma terna fúria. A revolta contra a violência, contra mais uma morte de um Parente. Ocorre, no entanto, que a luta dos Guarani Kaiowá, como a de uma infinidade de outros povos e pessoas, é pela vida. Por isso, quem respira o crime são alguns dos “civilizados” fazendeiros.
Sob permanente ameaça, as famílias kaiowás preparam o tererê e as flechas. De um lado estão os fazendeiros, e dada a situação instalada a partir dessa nova retomada, ocorrida no dia 22 de agosto, e do assassinato do kaiowá Simião, de 24 anos, o Exército e a Força Nacional tentam conter e remediar a situação. A FUNAI faz a mediação. Por força da inércia do Governo, além do tráfico de influências dos fazendeiros, a concretização da homologação, decretada em 2005, está suspensa. Enquanto isso, toda morte é uma crônica anunciada. No entanto, agora, mais do que antes, todo um povo proclama que não deixarão Simião enterrado só. De lá eles não vão sair. Não devem sair.
A nossa solidariedade deve transcender às redes… Revezemo-nos, entre os tantos milhares de somos Kaiowás, para ir até o território Kaiowá para compartilhar braços e abraços. Para simplesmente estar, porque isso nos diz respeito.
Deixado de lado o medo, o caminho circula, dá voltas mas não se fecha. Não tem recuos. Então, nas terras retomadas das fazendas Pitiburí, Cedro, Primavera, e Fronteira, se respira a dor causada pela injustiça e pela morte, mas o que é também evidente é a celebração discreta da luta e da resistência. A fusão da ternura com a rebeldia.
Compartilho alguma imagens pra falar disso. Além de filmagens feitas em condições improvisadas, onde os Kaiowás contam como, onde, e quem cometeu o assassinato de Simião. Outras imagens mostram um momento onde eles estão a espera do que possa acontecer… Por fim, uma entrevista com a professora indígena Inaiê, apresentada em três partes.
Autor: Por Rogério Ferrari.
Fuente: existenciasresistencias